FACULDADE TEOLÓGICA CRISTÃ DO BRASIL – F.T.C.B.
Literatura Cristã Primitiva
Denes Izidro, Professor ©[1]
OS ATOS DOS APÓSTOLOS APÓCRIFOS[2]
1. Preliminares
· As obras conhecidas como “atos apócrifos dos apóstolos” são coleções de histórias que eram narradas e transmitidas no seio das comunidades cristãs.
· Os Atos dos Apóstolos apócrifos chegaram até nós somente na forma de fragmentos, no entanto muito numerosos e de grande valor.[3]
· Diferentemente dos Evangelhos apócrifos, os Atos nunca concorriam com os Atos de Lucas por causa da época em que foram escritos e de sua função também distinta.
· O fato de terem restado tantos fragmentos destes Atos apócrifos se deve a sua popularidade e ao próprio acaso (Vielhauer,2005).
· Nos século IV d.C., os Atos de Pedro, João, André, Tomé e Paulo foram reunidos num corpus, que gozava de alto prestígio entre os maniqueus[4] e que certamente havia sido compilado por eles, que é do conhecimento de Agostinho e comentado e combatido ainda no século IX pelo patriarca Fotino de Constantinopla.
· Os Atos dos Apóstolos apócrifos são de diferentes autores e procedem de círculos distintos. Apesar de se repetirem determinados temas e de alguns pontos teológicos comuns, os Atos dos Apóstolos apócrifos não formam uma unidade;antes, cada um destes livros tem sua própria característica teológica e literária, e deve ser avaliado em particular.
· Os Atos dos Apóstolos apócrifos geralmente datam do final do II século e meados do III d.C, mas também podem chegar até o IV século.
2. Gênero Literário
· A pergunta mais imediata sobre o gênero literário dos Atos apócrifos é sobre se eles pertencem ao mesmo gênero literário dos Atos canônico de Lucas.[5]
· Muitos estudiosos têm respondido de forma negativa a essa pergunta,não obstante ajam de fato pontos de contato formal e conteudístico entre os Atos canônico e os Atos apócrifos.
· F.Pfister enquadrou os Atos dos Apóstolos apócrifos na antiga literatura de pra/ceij , isto é, literatura que descreve os atos de grandes personalidades históricas ou míticas, sejam atos naturais ou sobrenaturais, nos quais se manifestam virtudes (a)retai/) e poderes (du/na/meij).
· Rosa Söder chega à conclusão de que os Atos dos Apóstolos apócrifos seriam uma literatura romanesca, isto é, de romance; contudo não seriam verdadeiros romances, e quanto a forma não seriam um gênero uniforme; seriam narrativas populares, destinadas ao povo, não tanto às pessoas cultas, como os romances comuns.
· Eles também apresentam relação de parentesco com muitos elementos de lendas e contos da antiguidade, conforme demonstrou R.Söder em sua monografia.
3. Motivação e Originação Histórica
· O surgimento dessa literatura se deu a partir do crescente interesse pelos Apóstolos. O próprio Lucas em seu Atos canônico já testemunha tal interesse quando de sua redação com base em duas grandes sumidades apostólicas – Pedro (1.-12) e Paulo (13-28).
· As comunidades sentiam a necessidade de saber mais e com mais exatidão sobre todos os Apóstolos.
· Esse interesse tem as seguintes razões: (1) diante das manifestações heréticas, é preciso se voltar para os Apóstolos como aqueles que asseguravam a sã doutrina; e (2) os apóstolos estavam sendo considerados como verdadeiros qei=oi a)/ndrej (homens divinos) – o que se expressa bem nos Atos apócrifos. Essa última visão dos apóstolos foi estimulada pela abundância de figuras que percorriam o mundo daquele. O desafio consistia em sobrepujar essa concorrência. Os Apóstolos assumiam mais e mais os traços desses concorrentes, inicialmente na apresentação e na glorificação oral deles, depois na apresentação literária (os Atos Apócrifos).
· Portanto, a necessidade de uma Literatura de Entretenimento Especialmente Cristã que pudesse concorrer com a literatura secular era tão forte quanto o propósito religioso.
· Não obstante os elementos heréticos e gnósticos, os Atos dos Apóstolos Apócrifos foram bastante estimados pela igreja nos séculos II a IV d.C.
4. Descrição dos Principais Atos Apócrifos
· Atos de Pedro (180-190 d.C.) – descreve a história do ministério de Pedro em Roma após a saída de Paulo para a Espanha, entre milagres e disputas com o mágico Simão. Deve ter sua origem na Ásia Menor ou em Roma.
· Suas principais fontes são: a tradição apócrifa a respeito da permanência de Pedro em Jerusalém por doze anos e seu martírio em Roma e a tradição neotestamentária a respeito do embate de Pedro com o mago Simão (At.8.18ss).[6]
· Atos de Paulo (200 d.C.) – descrevem os atos kerygmáticos e miraculosos de Paulo, e também de Tecla, no contexto de uma viagem missionária de Paulo à Roma. Neste conta-se da conversão e trabalho de Tecla ao lado de Paulo, bem como de seu martírio por Nero, em Roma. Provavelmente escrito por um presbítero da Ásia Menor e, apesar de seu grande volume, o que ficou preservado é bastante fragmentário. [7]
· O enredo segue basicamente o seguinte esquema: Paulo prega a castidade, há grande sucesso entre as mulheres, indignação e ciúme dos maridos, noivos e amantes, depois perseguição, prisão e mau trato do apóstolo, visita de discípulas em sua prisão e libertação.
· Atos de João (II d.C.) – conta dos atos do Apóstolo João, filho de Zebedeu, por ocasião de duas viagens missionárias – de Jerusalém a Éfeso e de Éfeso para Laodiceia, depois seu retorno e permanência em Éfeso até a sua morte.
· Atos de Tomé (III d.C.) – Narram primeiramente o trabalho missionário de Tomé na Índia, região que lhe coubera quando da divisão do mundo em zonas missionárias. Ali Tomé realiza a missão por meio de discursos e de milagres, depois vem o seu martírio. A narrativa está dividida em treze pra/ceij numeradas e providas de títulos, e tem o título pra/ceij tou= a(gi/ou a)posto/lou Qwma= com razão; o escrito alista atos ao lado de atos, sem dedicar interesse maior às viagens entre elas.
· Atos de Tomé revela muitos pontos de contato com o Evangelho de Tomé copta e de fato deve ter surgido na Síria Oriental no III século d.C. Estes dois textos são os documentos mais importantes do gnosticismo cristão daquele tempo e daquela região. Suas numerosas traduções e o uso freqüente pelos maniqueus testemunham sua importância. Os Atos de Tomé são, portanto, os mais interessantes dentre os Atos dos Apóstolos apócrifos (Vielhauer, 2005).
[1] Denes Izidro é Pastor evangélico e estudioso de Novo Testamento, desenvolvendo pesquisas na área de Bíblia e literatura cristã primitiva canônica e não-canônica. Além disso, é também professor de Língua, Literatura, Contexto e Teologia do NT, e outras disciplinas na área de Bíblia e seu contexto histórico-literário, na Faculdade Teológica Cristã do Brasil (DF). © todos os direitos autorais desta obra devem ser preservados.
[2] Vielhauer,Phillip.História da literatura cristã primtiva.Academia Cristã: São Paulo; Koester,Helmut.Introdução ao novo testamento – História e literatura do cristianismo primitivo.Paulus: São Paulo; www.wikipedia.org.
[3] Atos de Pedro e Atos de Paulo, por exemplo, tiveram uma transmissão manuscrita limitada;e embora seja possível uma reconstrução, lacunas e incertezas ainda são uma realidade.
[4] Maniqueísmo, filosofia religiosa sincrética e dualística ensinada pelo profeta persa Mani (ou Manes) combinando elementos do zoroastrismo, cristianismo e gnosticismo, condenado pelo governo do império romano, filósofos neoplatonistas e cristãos ortodoxos.
[5] Köester acredita que ao compor Atos Lucas pode ter se valido de coleções de histórias sobre Pedro e Paulo como as descritas nos Atos de Paulo e Pedro,apócrifos.Cf.Köester,Helmut,op.cit.,pg.348.
[6] A conhecida história Quo vadis? é relatada nesse texto, bem como a crucificação de Pedro de ponta-cabeça a pedido do mesmo. O texto também registra aparições de Pedro a seu amigo Marcelo, repreendendo-o pelo sepultamento luxuoso, e a Nero, a quem intimidade com golpes a desistir de sua planejada perseguição aos cristãos.
[7] Este texto relata algo da fisionomia de Paulo: “um homem de baixa estatura, de cabeça calva e pernas arqueadas, em atitude nobre, de sobrancelhas unidas e de nariz um pouco saliente, cheio de encanto; pois ora parecia um ser humano, ora tinha o rosto de anjo” AtPaul.
segunda-feira, 23 de abril de 2007
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